13 April 2006

Iluminatium




Feci quod potui, faciant meliora potentes

12 April 2006

O Réu do Amor


A sala estava cheia. Hà muito que não se via tal coisa. Todos os intervenientes da vida estavam presentes, todas as correntes filisóficas, políticas, étnicas e espitituais estavam de alguma forma representadas. Um burburinho de proveniencia incerta rompia os tímpanos como se de um motor V12 se tratasse. Era um barulho acutilante que nos rasgava as entranhas.
No banco dos réus, sossegado, quase inerte, o Coração. A um olhar mais isento pareceria culpado sem sombra de dúvida. No majestoso lugar de juiz, o Sr. Cérebro, senhor de todos os raciocínios e de todas as certezas, acessorado pela Razão e pelo Bom Senso. Que trio!, diram muitos. Impossível de falhar; justiça seria feita!
Para formalizar a acusação, a dupla de Nervos saltitava de contentamento. Não era para menos; nunca uma sentença parecia tão certa.
A Alma, advogada de defesa, parecia triste, deprimida, distante até, como se tratasse de um julgamento à distância, sem corpo presente ... (verdade seja dita, este era como se não existisse de tão anestesiado que estava).
Como testemunhas principais, alinhavam-se na primeira fila o Estômago, e a sua filha Ursúla, o Fígado, uma serie de Veias e Artérias inchadas de raiva e a um canto, quase inundados pelas suas próprias secreções, os Olhos. Estes quase pareciam mais vítimas do que figurantes óculos neste processo. Em abono da verdade eram-no ambos.

Apesar da evidência das provas apontarem para uma rápida resolução do caso, a capacidade litigiosa e persuasiva muito acima da média, assim como a sua taxa de sucesso, faziam da Alma um trunfo impar. Esperava-se uma longa sessão.

Mas não foi. Um dos Nervos interrogava incansávelmete o réu: “Sr. Coração, pode-nos dizer aonde estava e que fazia entre as 18h00 e as 22h30 do dia 12 de Abril de 2006?”
Seguiu-se um longo silêncio. Depois o burburinho voltou mas quase em surdina, como se o V12 estivesse ao ralenti.

“Sim, confesso! Estava em casa, não tenho alibi e sim; estava a AMAR!”

O burburinho tranformou-se num coro de exaltações. Ninguem queria acreditar. As testemunhas, todas elas abonatórias e amigas do réu estavam de rastos. O Estômago ardia de raiva, os Olhos soluçavam espasmicamente, o Fígado descarregava a sua raiva na sua mulher Bilis. Até os espectadores mais passivos mostravam a sua indignação e sua tristeza; O Pancreas contorcia-se, os irmãos Pulmões respiravam ofegantemente, duas fileiras de Dentes rangiam de dor e até os pacatos Intestinos se manifestaram ruidosamente.

A Alma essa estava parva! Só os Nervos saltitavam continuamente, como que para disfarçar o contentamento.

Os três magistrados estavam cabiz-baixos. O Bom Senso tinha baixado visívelmete os braços e Razão até tinha abandonado a sala. O Sr. Cérebro, que à priori se tinha debatido com a dúvida de uma culpa, não tinha outra alternativa perante os factos. Deu as três marteladas da praxe menos efusivamente do que costume e proferiu secamente:

Veredicto: CULPADO; O Sr. Coração é deste modo condenado a amar perpétuamente!

06 April 2006

A Vénus de couro!


Da cintura, apertada pelo espartilho de couro,
parte o vale dos seios, farto, generoso.
Em cima dos ombros desnudados o pescoço altivo.
A saia também ela de couro,
como que moldada às ancas, reflecte as luzes quentes da noite.
As botas, altas, esbeltas, poderosas, evocam sonhos já vividos.
Com um leve movimento de cabeça faz rodopiar os cabelos negros,
e eu como que seguindo o movimento fico tonto.
Os olhos escuros, misteriosos, intensos mostram que me querem.
O esgar de um sorriso malandro acentua-me a tontura.

Eu, de joelhos, entrego a alma numa bandeja de prata.

A Deusa fala e da sua voz rouca e áspera emanam ondas de calor que percorrem todo o meu corpo.
Estremeço de felicidade.
Sei que a minha entrega, na procura do seu prazer, da sua felicidade, faz esta Deusa ser mais minha. A minha Vénus de Couro!
Sou feliz.

Dôr


Que sentimento louco este …
Uma agrura imensurável, um ardor descomunal,
Entranhante e entranhado,
Como que um eterno Mal.

Que terrível agonia ..
Uma tristeza profunda, sentida,
Intensa, inexplicável, insuportável,
Em desacordo com a Vida.

Uma laxante dôr ..
Que nos alivía, nos acalma,
Luxuriante, acuta
Invade-nos a Alma.

Berro e não sai som,
Grito e ninguem me ouve,
Choro sem verter lágrimas,
... como num pranto precoce.


Sonho ... espero ... rogo!


Pelo chicote apaziguador,
Pela tortura serena,
Pela Dôr que não se vê
... na minha humilhação suprema.


Uma gaivota ...



Uma gaivota voava .. voava, filha da p… nunca mais se cansava!


Rodeados de natureza por todo o lado, cismamos em não a ver, teimamos em ver os prédios em vez dos pássaros.
Alguma vez já viram uma gaivota a voar contra a nortada?
Porque não somos assim, tão persistentes? Porque não perseguimos os nosso objectivos até ao fim? Porque desistimos tão fácilmente? Porque temos medo do ridículo? Porque temos medo, afinal?
Porque na natureza a desistência é a morte .. a gaivota sim deveria ter medo!

...

Providos de um intelecto que só nos baralha, nos confunde e nos trai, desviamo-nos fácilmente do básico .. das nossas necessidades básicas .. de tocar, de cheirar, de ver, de ouvir e de provar.

O quanto eu gostava de ter a mente e a teimosia da gaivota e lutar alegremente até ao limite das minhas forças contra a nortada, alheado de outro qualquer pensamento que pudesse denegrir a minha luta ... exausto e feliz!

05 April 2006

Desilusões ..



Nada mais deprimente do que uma valente desilusão; ou talvez sim: uma série delas em corropio!
Mas se pensarmos bem a desilusão não é mais do que o desfazer de uma ilusão, o cair do pano da cena, o voltar à realidade, o fim do espectáculo.
Que raio de criaturas somos nós que vivemos num mundo tão real e concreto que nem o vemos. Passamos o tempo no nosso mundo, o que criamos a cada instante na nossa mente, cheio de utopias fabulescas, as quais sabemos não existirem, ignorando a cada instante o realismo e pragmatisto que nos rodeia?
Em que estado evolutivo nós vivemos que por um lado nos dá uma mente poderosíssima, anos-luz mais avançada do que a dos nossos primitivos antepassados, mas por outro lado ainda não tão forte que nos permita ultrapassar efectivamente dos nossos limites físicos?
Porque pensamos se nao agimos, porque imaginamos se não concretizamos, porque sonhamos se não acordamos?
...
e no entanto, basta ouvir o mero silêncio da tua voz, sentir a força da tua presença ou simplesmente ler as palavras da tua alma, para me trazer a paz de volta, para me iludir de novo!