12 April 2006

O Réu do Amor


A sala estava cheia. Hà muito que não se via tal coisa. Todos os intervenientes da vida estavam presentes, todas as correntes filisóficas, políticas, étnicas e espitituais estavam de alguma forma representadas. Um burburinho de proveniencia incerta rompia os tímpanos como se de um motor V12 se tratasse. Era um barulho acutilante que nos rasgava as entranhas.
No banco dos réus, sossegado, quase inerte, o Coração. A um olhar mais isento pareceria culpado sem sombra de dúvida. No majestoso lugar de juiz, o Sr. Cérebro, senhor de todos os raciocínios e de todas as certezas, acessorado pela Razão e pelo Bom Senso. Que trio!, diram muitos. Impossível de falhar; justiça seria feita!
Para formalizar a acusação, a dupla de Nervos saltitava de contentamento. Não era para menos; nunca uma sentença parecia tão certa.
A Alma, advogada de defesa, parecia triste, deprimida, distante até, como se tratasse de um julgamento à distância, sem corpo presente ... (verdade seja dita, este era como se não existisse de tão anestesiado que estava).
Como testemunhas principais, alinhavam-se na primeira fila o Estômago, e a sua filha Ursúla, o Fígado, uma serie de Veias e Artérias inchadas de raiva e a um canto, quase inundados pelas suas próprias secreções, os Olhos. Estes quase pareciam mais vítimas do que figurantes óculos neste processo. Em abono da verdade eram-no ambos.

Apesar da evidência das provas apontarem para uma rápida resolução do caso, a capacidade litigiosa e persuasiva muito acima da média, assim como a sua taxa de sucesso, faziam da Alma um trunfo impar. Esperava-se uma longa sessão.

Mas não foi. Um dos Nervos interrogava incansávelmete o réu: “Sr. Coração, pode-nos dizer aonde estava e que fazia entre as 18h00 e as 22h30 do dia 12 de Abril de 2006?”
Seguiu-se um longo silêncio. Depois o burburinho voltou mas quase em surdina, como se o V12 estivesse ao ralenti.

“Sim, confesso! Estava em casa, não tenho alibi e sim; estava a AMAR!”

O burburinho tranformou-se num coro de exaltações. Ninguem queria acreditar. As testemunhas, todas elas abonatórias e amigas do réu estavam de rastos. O Estômago ardia de raiva, os Olhos soluçavam espasmicamente, o Fígado descarregava a sua raiva na sua mulher Bilis. Até os espectadores mais passivos mostravam a sua indignação e sua tristeza; O Pancreas contorcia-se, os irmãos Pulmões respiravam ofegantemente, duas fileiras de Dentes rangiam de dor e até os pacatos Intestinos se manifestaram ruidosamente.

A Alma essa estava parva! Só os Nervos saltitavam continuamente, como que para disfarçar o contentamento.

Os três magistrados estavam cabiz-baixos. O Bom Senso tinha baixado visívelmete os braços e Razão até tinha abandonado a sala. O Sr. Cérebro, que à priori se tinha debatido com a dúvida de uma culpa, não tinha outra alternativa perante os factos. Deu as três marteladas da praxe menos efusivamente do que costume e proferiu secamente:

Veredicto: CULPADO; O Sr. Coração é deste modo condenado a amar perpétuamente!

6 comments:

Anonymous said...

:)
Espero que a sentença se cumpra absoluta e irremediavelmente... e que, passada a tempestade do julgamento, e Razão e o Bom Senso fiquem sempre do lado do Réu.
Tembém eu fui condenada na mesma sentença... amo-te...

Foxy said...

Lindo... Gostei muito da história... Vou voltar pq gostei muito da primeira visita... Tudo de bom...

Anonymous said...

Amei...nao sei porque mas enm todos os teus posts eu encontro algo com que me identifico muito... os Nervos...o coraçao...amei...nao tenho outra designaçao p dar senao: AMEI...
O enredo fabuloso que me faz lembrar algumas figurinhas...que sabemos bem de onde..a emoçao do texto realmente lemnbra a espera na sala de audinecia... fabuloso....

Speachless

Miss Libido said...

Li a peça do teatro da vida com a mesma ansiedade com que espero que um grande filme nunca acabe. Que o teu coração nunca páre de bater, de rir, de Amar!
Brindemos com um bela tarde de sol ;)

************** EVA

Katrina said...

Com olhos de ver, li.
Com copraçao de viver, senti.
Com boca de falar, sorri.
E com braços de aconchegar, abracei...

Lindo!
Fiquei sem palavras...


Beijo grande aos dois

Maria Portugal said...

Hoje dei só uma vista de olhos, mas gostei... vou voltar amigo!- Fica bem. Jinhos